A recente morte de dois expoentes do episcopado brasileiro trouxe à tona a velha discussão da polarizada ação pastoral latino-americana: direita ou esquerda, tradição ou vanguarda? A divisão voltou à baila nas discussões teológicas e nas opções pastorais de muitos setores da realidade eclesial desse vasto continente dividido entre ricos e pobres, classes operárias e elites de privilegiados, gentios pagãos e samaritanos incircuncisos. Afinal, qual das linhas seguir?

A resposta parece complexa. Mas, olhando para a história da Igreja Primitiva, encontramos similaridade com a vida dos apóstolos Pedro e Paulo. Dois turrões briguentos, porém fiéis ao desafio evangelizador, que provocaram profundas discussões teológicas e pastorais, que divergiram em muito no ímpeto missionário, que forjaram caminhos diversos com suas ações, mas terminaram suas vidas num mesmo holocausto de sacrifício e amor às causas que defenderam com verdadeiro ardor missionário. Tornaram-se pilares da Igreja de Cristo.

Na atual conjuntura da realidade latino-americana, o representante de Cristo tinha que ser um dos nossos. Muitos dizem: “Esse Papa não me representa”. Muitos se interrogam: “Pode vir algo de bom de Nazaré?” Mesmo assim, Brasil e países circunvizinhos assumem a dianteira na obra evangelizadora deste século, são hoje o maior reduto de cristãos no mundo. Mas aqui Pedro é Paulo e Paulo é Henrique. Nosso Paulo de Tarso está bem representado na figura extasiante de um Pedrinho qualquer, um Casaldáliga da vida que a escola europeia nos cedeu milagrosamente numa época de trevas e cegueiras sociais. Nosso Pedro aqui também era pedra e, como D. Henrique de Coimbra lá do reino português, que aqui inaugurou o primeiro altar de sacrifícios e com nossos indígenas e descobridores, celebrou nossa primeira missa, fez soar em nossos ares tupiniquins o nome do Cristo Redentor. D. Soares era o desbravador da tradição apostólica. Então está dito. Pedro/Paulo assumiu nossos samaritanos, excluídos e marginalizados. Henrique/Pedro cuidou “das ovelhas perdidas de Israel” e manteve a unidade apostólica ao redor da sã doutrina. Ambos são hoje os pilares dessa igreja latino-americana encarnada numa realidade de florescente importância que a Igreja de Cristo escreve em meio à pandemia dum mundo asfixiante, quase agonizante. Na vida de ambos impera a verdade primeira da fé: Cristo é único na sua diversidade teológica. Ou seja: sua Igreja não perde a unidade na diversidade dum mundo em conflito permanente.

Enquanto Pedro, o sucessor, a pedra fundamental, encerrou sua vida com a cruz inversa plantada no chão santo da futura sede universal da Igreja de Cristo no mundo, enquanto esse Pedro recebeu todas as honrarias de chefe e zelador das tradições apostólicas, Paulo, o perseguidor voraz e diligente do primeiro momento, aquele que buscou sua verdade como cego num tiroteio de calúnias e difamações, um dia perdeu a cabeça por abraçar sua nova causa com coragem e profetismo. Sua honra foi ser sepultado em lugar ermo, extramuro da realidade romana… Nossa Paulo, que aqui era Pedro, também foi sepulto despido de qualquer honraria, às margens de um Araguaia pouco conhecido no mundo. Nosso Pedro, que aqui era Henrique, recebeu a graça de ser sepultado na catedral que gerenciava, em Palmares, zona da mata pernambucana, terra indígena e religiosa por excelência. Um sob a terra que margeava a realidade dos excluídos, outro sob a laje dos muitos túmulos que nossa tradição constrói. Mas ambos fiéis ao testamento e testemunho que nos deixaram.

WAGNER PEDRO MENEZES
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